PENSAR VIRTUALPablo Capistrano é professor de Filosofia e Direito no IFRN. Também é escritor, mestre em metafísica e doutor em literatura pela UFRN.
POR PABLO CAPISTRANO
Particularmente, não tenho nenhum tipo de fetiche pelo diabo. Meu marranismo não me permite pensar que o mal possa ter alguma substância. E depois dos argumentos de Agostinho, em O Livre Arbítrio, acabei me convencendo veementemente da resposabilidade humana pela danação que muitos crentes atribuem ao cramunhão.
Mesmo assim, no campo de nossas mitologias, o diabo tem uma caracteristica bastante curiosa. Ele é sempre representado como o mestre da inversão. Aquele que põe o errado no lugar do certo e a mentira no lugar da verdade. Nesse ponto, o bolsonarismo me parece muito com um tipo peculiar de inversão demôniaca.
Inverte-se tudo. O jornalista que denuncia um crime passa a ser o criminoso. A ONG que combate o desmatamento bota fogo na floresta. O professor que se esforça pra estimular um pensamento crítico autônomo nos alunos se torna o doutrinador. O governador que manda atirar de AR-15 de um helicoptero em cima dos seus eleitores é tomado como um agente da "segurança pública". A política econômica que entrega o Brasil para os estrangeiros passa a ser sinônimo de patriotismo.
O diabo, se existisse, não apareceria aos humanos de barba, rabo, tridente, chifre e bigode. Ele viria de paletó e gravata, recitando trechos bíblicos.
Não se esqueçam, crianças. Tudo está posto de modo muito óbvio, mesmo que o esforço do pai das moscas seja o de tornar obscuro aquilo que é claro. Mas eles não vão vencer porque, afinal, como é possivel alguém se manter oculto muito tempo, daquilo que nunca se esconde?
Pintura: Krzysztof Iwin